Em outro texto, cito o livro Lean Communication (Applications for Continuous Process Improvement) no qual os autores Sam Yankelevitch e Claire F. Kuhl tratam a comunicação de forma bastante prática, utilizando a filosofia lean. Naquele texto abordei alguns aspectos gerais que devem ser ponto de atenção dos gerentes de projetos em relação às comunicações. Falei sobre competências do gerente de projetos, de tecnologias e também da comunicação como processo. E é esse último aspecto que quero explorar um pouco mais.

A filosofia lean, ou lean thinking, é uma forma de encarar a gestão de uma organização. Ou seja, apesar de utilizar uma série de ferramentas e técnicas, estamos falando de uma forma de pensar, de enxergar a gestão, tendo como base as pessoas. Buscamos, antes de tudo, aperfeiçoamento por meio da evolução da cultura da organização e pela busca da melhoria contínua.

O termo foi cunhado na década de 1980 por James P. Womack e Daniel T. Jones, autores do livro Lean Thinking – Banish waste and create wealth in your Corporation e também de A máquina que mudou o mundo, que contou também com Daniel Ross. Esse livro se baseia em extenso estudo conduzido pelos autores na indústria automobilística no Japão.

A filosofia lean tem como pilares 5 princípios fundamentais:

Valor: é o ponto de partida da filosofia lean. Tudo deve girar em torno da geração e entrega daquilo que o cliente considera como tendo real valor.

Cadeia de valor: avaliação de cada etapa de um processo, avaliando continuamente se há a geração de valor. As etapas que não geram valor devem ser eliminadas, pois representam desperdício.

Fluxo: o foco aqui está na fluidez. O fluxo de produção deve ser contínuo, sem interrupções, gerando valor com a maior rapidez possível.

Produção puxada: a produção deve ser puxada pela demanda, de tal forma que não haja produção em excesso ou estoques desnecessários. Ou seja, a demanda impulsiona (puxa) a cadeia de valor.

Melhoria contínua: mentalidade orientada a acertar na primeira vez, eliminando desperdícios. Busca-se a redução de custos, o aumento da qualidade e da produtividade, por exemplo.

O objetivo desses princípios é o combate aos 7 tipos de desperdícios: superprodução, estoque, movimento, espera, transporte, superprocessamento e defeitos. Os desperdícios são categorizados como MUDA (atividades que não agregam valor), MURA (inconstância de produção, variação) e MURI (sobrecarga de produção).

Assim, é preciso entender que a comunicação é um processo. Ele envolve um emissor, aquele que gera, codifica e envia uma mensagem por algum meio, e um receptor – aquele que recebe, decodifica e interpreta a mensagem, oferecendo feedback sobre sua compreensão.

Esse processo está sujeito a ruídos – todo e qualquer fator que aumente as chances de que a mensagem pretendida pelo emissor seja distinta da mensagem percebida pelo receptor. Essa diferença entre a mensagem pretendida e a mensagem percebida é o que normalmente chamamos de “problemas de comunicação”.

A partir do momento em que percebemos a comunicação como um processo, conforme explicado acima, podemos também aplicar ferramentas e técnicas para evitar desperdícios e melhorar os resultados das nossas comunicações. Vamos explorar um pouco mais esses desperdícios:

 

Superprodução

Somos bombardeados por uma quantidade absurda de informações atualmente. São muitas fontes de notícias, aplicativos, sites, redes sociais… muito mais do que podemos absorver de fato! Nos projetos também vemos esse fenômeno. Uma aluna minha compartilhou uma história interessante.

Quando ela assumiu a função de secretariar um diretor de uma empresa na qual trabalhou durante alguns anos, recebeu a incumbência de elaborar um relatório mensal que era usado durante uma reunião de diretoria. Era um relatório extenso que consumia cerca de uma semana de trabalho, entre a coleta de todas as informações, organização, consolidação, geração de gráficos, etc. Num mês em particular, ela teve alguns problemas e não conseguiu gerar o relatório a tempo. Ficou desesperada, pois imaginou que seria severamente repreendida por não gerar a informação que os diretores utilizavam em sua reunião mensal. Para sua surpresa, após a reunião, seu diretor não reclamou de nada. Ela estranhou e questionou como tinha sido a reunião, sem as informações necessárias.

A grande surpresa: o diretor respondeu algo como “ah! Não se preocupe! Normalmente damos só uma passada de olho e discutimos sem nos atentar para os detalhes. Nem fez falta.” É fácil imaginar a frustração dela. Um quarto de tempo de todos os meses dela, até então, eram inúteis. Gerava informação detalhada, mas que não era necessária.

Estoque: Pilhas de documentos, relatórios e outros artefatos sendo gerados e aguardando sua vez na fila para serem consumidos. Ou seja, acúmulo e recuperação de informação sem processamento. Esse problema está claramente ligado ao anterior.

Movimento: Tráfego desnecessário de pessoas em processos de comunicação. Sou capaz de apostar que você já teve que se deslocar para participar de reuniões que poderiam ter sido evitadas.

Espera: Essa é bem óbvia: aguardar informações. “Estou esperando fulano retornar o email que enviei”. Quem nunca ouviu (ou falou!) isso que atire o primeiro email. 😉

Transporte: Tráfego desnecessário de informações. Enviar informações, seja por que canal for, sem necessidade real disso.

Superprocessamento: Processamento excessivo de informações quando isso não é requerido. “Ruminar”

Defeitos: Informações incorretas, imprecisas, incompletas, não tempestivas.

 

Mas como tudo isso se aplica às comunicações?

Bem, diante de todos esses conceitos e situações, existem ações práticas que possamos adotar para melhorar nossas comunicações a partir do lean thinking? Tem sim! Primeiro, algumas reflexões importantes:

  • Como as variações (problemas de comunicação) afetam os resultados do projeto?
  • Toda variação é uma oportunidade de melhoria.
  • Todos os stakeholders devem assumir posturas ativas em seus papéis no processo de comunicação. Insista nisso.

E agora, sugestões de ação:

  • Tenha um plano de comunicação para o projeto consistente, validado e aprovado pelos stakeholders. Ele deve abordar aspectos importantes como os canais de comunicação, frequência das comunicações, mídias que serão utilizadas, uma agenda de eventos, dentre outros. Muitas vezes negligenciamos esse planejamento por entender que o projeto é simples, por já conhecemos os stakeholders, ou por imaginar que “nós nos entendemos bem”.
  • Mapeie seu(s) processo(s) de comunicação. Documente claramente as etapas, os responsáveis, os limites, etc. Lembre-se que a aplicação do lean thinking para as comunicações parte do entendimento de que a comunicação é um processo.
  • Realize avaliações constantes dos gargalos e falhas deste processo. Durante a próxima reunião, seja ativamente um defensor de boas práticas para esses eventos. Ao mesmo tempo, observe e documente todos os desperdícios (muda, mura e muri). Descubra quais são os principais ruídos à comunicação. Você pode aplicar técnicas como Ishikawa para detalhar as causas de uma falha de comunicação (ou para planejar suas comunicações).
  • Aplique o conceito de Jishuken: trata-se do princípio do compartilhamento de conhecimento. Identificar problemas, soluções e tornar comum esse conhecimento.
  • Aplique também o conceito de Envolva asdiversas partes interessadas a fim de introduzir mudanças, partindo do consenso entre essas partes. Ou seja, envolver e engajar as partes interessadas no processo de aprimoramento das comunicações em projetos.
  • Utilize o 5S (Seiri, Seiton, Seiso, Seiketsu e Shitsuke, respectivamente Utilização, Organização, Limpeza, Higiene e Disciplina). Observe como esses “sensos” atacam diretamente os desperdícios que tratamos. É uma abordagem tradicional, amplamente conhecida e de resultados comprovados.
  • Por fim: intervenha no processo continuamente – ele nunca será perfeito. Sempre será possível ajustar algo e otimizar as comunicações no projeto e na organização.